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Zona de Azar Brasil – Brasil: Os Desafios e as Restrições das Licenças Estaduais Brasileiras

Brasil.- 05 de Junho de 2024  www.zonadeazar.com  Com exclusividade para a coluna Espaço Jurídico, Caio de Souza Loureiro, sócio do TozziniFreire Advogados e consultor em regulamentação de jogos e de apostas no Brasil, analisa os problemas enfrentados por empresas que obtiveram licenças em um estado do país quando, na verdade, desejam operar em todo o território nacional.

A questão federativa em relação ao setor de loterias – incluídas as apostas esportivas e os jogos on-line, que, por lei, são considerados modalidades de loterias, no Brasil – já é antiga, pois normas contraditórias ora permitiam a exploração pelo Estado, ora mantinham a prestação exclusiva para a União.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto de três ações distintas, estabeleceu que, no regime da Constituição de 1988, não há monopólio da União, podendo os Estados prestarem serviços lotéricos. A decisão do Supremo Tribunal Federal ainda estabeleceu duas premissas relevantes: (a) os Estados somente podem prestar os serviços lotéricos nos seus respectivos territórios; (b) a competência legislativa ainda é exclusiva da União, de modo que os Estados não podem prestar modalidades de loterias que não sejam previstas na legislação federal.

A partir do julgamento, alguns Estados iniciaram os procedimentos para a delegação de loterias e apostas esportivas. Desde então, há uma discussão sobre a legitimidade de loterias estaduais que não estabelecem limitações à oferta fora dos respectivos territórios. Nesse aspecto, especialmente em relação às autorizações emitidas pela Loterj, há uma discussão entre o Rio de Janeiro e a União, e entre o Rio de Janeiro e o Paraná, esta última no âmbito judicial. A Loterj também entrou com uma ação judicial para ordenar a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) a derrubada dos sites de apostas que não têm autorização no Estado.

Essa discussão traz dois pontos da regulamentação (e da decisão do STF). O primeiro ponto é a eventual extrapolação da decisão do STF, que determina aos Estados a oferta apenas em seu território, o que se torna especialmente importante no cenário de apostas esportivas de jogos on-line, pois, no ambiente virtual, o controle geográfico de acessos é mais difícil e desafia os Estados a preverem mecanismos que pretendam restringir o acesso por usuários fora dos seus territórios. O outro ponto é a existência de uma “proteção” dada pela Lei 14.790/2023 às casas de apostas e de jogos on-line que estejam operando no país, que não podem sofrer sanções ou restrições até o término da regulação do Governo Federal, em prazo a ser determinado pelo Ministério da Fazenda – esse prazo, conforme a recente Portaria 827/2024, é 31 de dezembro de 2024. Nesses termos, Estados não podem tomar medidas contra essas empresas, caso elas não tenham sido autorizadas por eles a operar no país.

Outro ponto relevante da disputa entre União e Estados foi inaugurado pela Lei 14.790/2024, que, em seu art.35-A estabeleceu regras para as loterias estaduais. No § 2º, o art. 35-A proíbe que uma mesma empresa opere mais de uma concessão em mais de um Estado. Na prática, qualquer empresa lotérica, casa de apostas ou operadora de games onl-ine que já tenha sido autorizada ou obtido concessão, não poderá ter mais nenhuma, no mesmo Estado ou em outro. Essa restrição me parece indevida, pois, no limite, sacrifica a competitividade das licitações ou autorizações concedidas pelos Estados, que contarão com menos empresas aptas, já que a obtenção de uma concessão ou autorização impede que a empresa participe de novas oportunidades. Claramente, a restrição pretende reduzir a competição da operadora federal de loteria, que terá o benefício de competir com operadoras de atuação bastante limitada, eis que restritas à apenas uma operação. Nesse ponto, parece-me ter havido uma extrapolação da competência legislativa da União, que compromete o ambiente concorrencial e, mais que isso, afronta a autonomia dos Estados, em ofensa ao pacto federativo.

Diante disso, sete Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre, Piauí, Paraná, Mato Grosso do Sul) e o Distrito Federal apresentaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra essa restrição – e também contra a restrição à publicidade fora do território de cada Estado, prevista no § 4º do mesmo art. 35-A. Nessa ação, os Estados e o DF sustentam que os dois dispositivos afrontam a Constituição brasileira, pois: (a) ofendem à livre iniciativa e à livre concorrência; (b) atentam contra o pacto federativo, ao impor limitações à autonomia e competência dos Estados prestarem os serviços lotéricos.

Em decisão, o Ministro Luiz Fux, relator da ADI, determinou que haverá julgamento antecipado do mérito da ação, o que, na prática, tornará mais rápida a definição da questão pelo STF, o que deve por fim à discussão sobre a legitimidade dos dois dispositivos legais. A tendência, pelos precedentes do próprio STF, é que a ação seja julgada procedente, com a declaração de inconstitucionalidade dos dois dispositivos, o que trará maior segurança jurídica.

A questão da disputa envolvendo territorialidade, contudo, deve demorar mais a ser resolvida, e, provavelmente, somente o será por meio de nova decisão do STF, que estabeleça os exatos limites da sua decisão anterior – que determinou a quebra do monopólio da União. A expectativa é que o STF reitere a limitação à operação estadual aos limites do território de cada Estado, sem o quê, haverá uma eterna competição entre os Estados, algo que não é favorável nem para eles próprios – e, não por acaso, o Paraná já está litigando judicialmente com o Rio por conta da falta de limitação estabelecida na loteria carioca.

O importante, no entanto, é destacar que, mesmo nesse cenário, não há qualquer riscos para as empresas que queiram obter a autorização do Ministério da Fazenda em virtude dessa discussão judicial. A única preocupação é que, sem controle sobre a territorialidade, um operador poderá acabar sendo um concorrente em âmbito nacional, mesmo tendo obtido apenas uma autorização estadual. Em outras palavras, um operador poderá ser concorrencialmente relevante nacionalmente, caso, a partir de uma autorização ou concessão de um Estado, a operadora oferte seus produtos em todo o território estadual, mesmo só tendo a autorização ou concessão de um único Estado.

Editó @_fonta   www.zonadeazar.com

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